O Filho da Mãe
Ele, o filho da mãe, aos berros: Odeio-te! Odeio-te!
Ela, a mãe do filho, secamente: Ainda bem...
Ele, ainda mais irritado: Não preciso de ti! Ouviste? Não preciso de ti!
Ela, a conter a humilhação: Ainda bem. Eu também não preciso de ti...
O filho, o mais velho, discutia com a mãe, alto e bom som. Assomei-me à janela da cozinha que dá para o logradouro, tal era o barulho que vinha dois andares abaixo. O pai estava quedo e calado. Os três estavam em casa, só os três. O outro filho do casal, o mais novo, é raro ver-se, mudou-se há pouco. Também deixei de ver a cadela, linda, elegante, dócil, pachorrenta sempre bem tratada e cheirosa, dá gosto fazer-lhe festas. Outros vizinhos dos prédios ao lado também se assomaram. Um deles virou-se para mim e disse: "Era melhor chamar a polícia.". Não lhe dei resposta. É o mesmo vizinho que ouve alto e bom som sempre o mesmo concerto ao vivo do Tony Carreira, às vezes às 6h da manhã. A discussão continuava, sempre no mesmo tom: o filho da mãe que odeia a mãe e que nada dela precisa, a mãe que não se importa com isso e que até é um favor que lhe faz... Este filho tem uma loja na rua, é pacato, mal se ouve, cumprimenta sempre, diz "bom dia" e "boa tarde" e sorri ligeiramente.
De repente lá se ouviu o pai: Parem com isso! Parem com isso os dois! Calem-se! - O filho da mãe ainda balbucia qualquer coisa, a mãe ainda responde, mas o pai volta à carga: Parem com isso, por favor! Parem com isso! - E eles pararam. Testemunhado há umas semanas atrás numa bela soalheira manhã de domingo em que só apecetia estar na praia. Nunca antes havia ouvido uma discussão daquela casa. O prédio até pacato de mais... Nos dias a seguir a esta discussão, o filho da mãe pouco se deixou ver, a loja esteve de férias essa semana. A vida de todos voltou à vida de todos os dias...